sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mostra 2010 - Dia 04/11

Vênus Negra ****

Era pra eu ter ido ao Reserva Cultural assistir ao indiano “Imagens em Processo”. Mas ouvi tantas recomendações sobre “Vênus” que relevei a duração de quase 3h do filme. Ainda bem. Este foi um dos melhores filmes que eu assisti na Mostra este ano. O filme causou comoção no Festival de Veneza e discute os limites entre a curiosidade e a morbidez.


A história (real, por incrível que pareça) se passa em Paris, em 1817, e retrata a vida de Saartjie Baartman, mais conhecida como Vênus Hotetonte, doméstica sulafricana com características físicas peculiares (nádegas e quadril avantajados, cientificamente denominado esteatopigia, além de órgão genital proeminente, denominado avental hotetonte).


Seduzida pelo sonho de se tornar rica e retornar à sua terra natal em melhores condições, influenciada pelo seu patrão, ela aceita ir para a Inglaterra, onde passa a ser explorada como atração exótica. Nas suas primeiras apresentações saía de uma jaula puxada por uma coleira, urrando e avançando contra a platéia, como se fosse um animal selvagem. Os espectadores podiam tocar em suas nádegas mediante um pagamento extra e a ridicularizavam.


Depois passou a participar de apresentações de forma ainda mais degradante, em festas da alta sociedade parisiense, em que os espectadores podiam até mesmo tocar em seu órgão genital. Daí em diante foi obrigada a se prostituir, ocasião em que afundou no vício pelo alcóol.


O corpo da Vênus Negra foi objeto de tanta exploração que, mesmo após sua morte, seu corpo continuou a ser exibido, para saciar a curiosidade humana. Seus órgãos genitais, seu cérebro e seu esqueleto foram extraídos e, assim como uma réplica de seu corpo em gesso, permaneceram expostos no Musée de l’Homme, em Paris, até o ano de 1985. Somente em 2002, após anos de protestos e um pedido formal de Nelson Mandela ao governo francês, os restos mortais de Saartjie foram enviados à África do Sul.


As primeiras apresentações da Vênus, especialmente no momento em se vira de costas para a platéia e permite que a apalpem, me lembraram instantaneamente as mulheres frutas, que hoje em dia dançam funk e ganham dinheiro graças a seus traços físicos avantajados. Isso se reforça ainda mais na fase parisiense, em que suas performances passaram a servir de estímulo sexual para os casais que a assistiam.


Pensando assim, é possível perceber que, por mais absurdo, chocante e distante da realidade que pareça a história retratada, ela está muito próxima da realidade atual, até mesmo se pensarmos nos diversos casos de bullying (real ou pela internet) que a imprensa noticia quase diariamente.

Sendo assim, mais chocante do que a humilhação a que a personagem é submetida, é perceber a frieza e crueldade do ser humano, que não mede esforços para saciar sua curiosidade e ir em busca de novidades, mesmo que para isso submeta um outro ser humano à condição de animal ou de objeto.

Uma Mulher, Uma Arma e Uma Loja de Macarrão -

Depois de assistir a “Herói” virei fã do diretor Zhang Yimou. Neste filme ele conseguiu juntar uma história interessante de ação e romance, com um visual arrebatador, direção de arte de deixar o queixo caído, profusão de cores, utilização magistral da câmera lenta e cenas belíssimas no estilo “O Tigre e o Dragão”, ou seja, ele conseguiu com maestria unir o filme de entretenimento ao filme de arte.


Em seguida ele dirigiu o igualmente belo e no mesmo estilo “O Clã das Adagas Voadoras” e comecei a acompanhar mais de perto sua obra. Descobri então que ele também é responsável por “Nenhum a Menos”, de 1999, uma obra-prima emocionante, sobre uma menina de 13 anos que se vê obrigada a cuidar sozinha de uma escola infantil, e “Lanternas Vermelhas”, outra obra-prima, de 1991


Mas parece que a mão do diretor está desandando (ou seu estilo está mudando para algo cada vez mais distante daquilo que me aproximou de seus filmes). Em 2006 ele lançou “A Maldição da Flor Dourada”, filme que, apesar de manter ter uma direção de arte e figurinos ainda mais impressionante, tinha um enredo frio, desprovido de qualquer emoção.


E agora eis que surge uma comédia de sua autoria. Ainda mais frio do que o filme anterior, com tiradas bobas, ritmo arrastado e visual over, o filme não tem a menor graça e mal consegue entreter o espectador.


E a história (e até mesmo o título) parecia interessante o suficiente para resultar em um bom filme. Sentindo-se rejeitada pelo marido que a maltrata, mulher o trai com um funcionário de sua loja de macarrão. Ao descobrir a infidelidade da esposa, ele suborna um policial para que este assassine o casal.


O personagem do funcionário que se envolve com a esposa do chefe é medroso e histérico. Seus surtos de afetação, que deveriam provocar risos da platéia, chegam a ser constrangedores. Sem contar com a roupinha ridícula que ele uso com o umbigo à mostra. Mas talvez eu não esteja acostumado com o estilo de humor chinês. Quem sabe eles se divirtam com este tipo de filme?

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