quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Hora da Estrela

Dó é a palavra que melhor define a sensação que tive ao ler “A Hora da Estrela”. Uma personagem que de tão pobre só comia cachorro quente, que ao ser desprezada pedia desculpas, que se sente culpada por ser traída, e que mal tinha consciência de existir. Macabéia era desprezada por todos, principalmente pela autora.

Este foi o último livro de Clarice Lispector, quando ela já estava com sérios problemas de saúde, provavelmente desgostosa da vida. Então a sensação que me dá é que ela descarregou na personagem toda a dor que estava sentindo naquele momento e o descontentamento com o mundo.

A história transmite uma sensação angustiante, de desamparo, como se nos mostrasse como estamos sozinhos no mundo, como o ser humano é egoísta e está pouco se lixando pro que o outro sente.

Além da história em si ser incrível, é principalmente surpreendente a forma inédita que Clarice usou para escrever este livro. Ela cria uma autor fictício, Rodrigo S.M. e se escondendo por trás dele, ela vai fazendo comentários no decorrer da história, interagindo e intervindo na trama, e, acima de tudo, julgando a personagem.

O filme “A Hora da Estrela”, de 1985, é quase tão bom quanto o livro. Digo quase porque consegue traduzir para a tela a riqueza da história de Macabéia, mas deixa pra trás o elemento mais interessante do livro, que é essa já comentada interação da autora com a personagem, algo só possível na literatura.

Curiosamente, a atriz Marcélia Cartaxo (que interpretou Macabéia no cinema) foi a primeira brasileira a ganhar um prêmio internacional. Levou o Urso de Ouro em Berlim pelo papel de Macabéia em 1986. O filme tem também a participação de Fernanda Montenegro no papel da cartomante Madama Carlota e foi reexibido com a presença da protagonista em cópia restaurada na Mostra de Cinema de São Paulo em 2010.

Ademais, é curioso perceber que a Clarice Lispector estava perto de morrer e ela provavelmente tinha essa sensação de proximidade muito forte dentro dela. Tanto que ela de certa forma mata a protagonista no final do livro sem dó nem piedade. E tem uma frase em especial que deixa essa sensação de fim da vida bem explícita: “Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser.”

Macabéia é uma personagem tão sofrida e tratada com tanto desprezo pela autora que a morte é acontecimento inevitável pra ela. É como se a morte (e não só a morte, a morte de uma forma cruel, brutal) fosse o ápice do calvário ao qual a personagem teve que percorrer. Quase como Cristo carregando a cruz, ela viveu uma vida cheia de provações, de sofrimento, para no fim morrer de uma forma repentina e trágica.

“- Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer” diz a personagem. “Iria ela dar adeus a si mesma?” questiona a autora. Não bastasse a morte em si, que já é uma desgraça, a personagem ainda tem a dor de saber que ninguém sentirá sua falta além dela mesma. Apenas ela dirá adeus (a si mesma).

O livro tem diversas frases incríveis, que dariam, cada uma, viagens de dezenas de parágrafos. Cito aqui algumas que guardo pra mim:

Clarice Lispector“Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?”

“Pensar é um ato. Sentir é um fato”

“Já que sou, o jeito é ser.”

“Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada.”

“... Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.”


“Em todo caso o futuro parecia vir a ser muito melhor. Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim.”

“Quanto a mim, autor de uma vida, me dou mal com a repetição: a rotina me afasta de minhas possíveis novidades”.

“Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo um desonesto.”

“Muitas coisas sabia que não sabia entender.”


Um comentário:

Mônica disse...

Absolutamente demais! Gratidão pelo compartilhar!