domingo, 31 de outubro de 2010

Mostra 2010 - Dia 30/10

Fim de semana na Mostra é complicado. Primeiro porque minha energia já começa a diminuir depois de uma semana de maratona. Segunda porque a maioria das sessões é lotada, já que não só os cinéfilos vão ao cinema, mas todo o público cinematográfico de fim de semana, o que dá margem a desconforto e a diversas demonstrações de falta de educação e de respeito com os outros. Exemplo: deixar o celular tocar no meio da sessão e, pior, atendê-lo, pecado mortal para quem é amante da sétima arte.

Mas o que eu presenciei hoje foi muito pior do que isso, foi uma demonstração escancarada de egoísmo e falta de respeito com as pessoas que trabalham para fazer da Mostra um evento comparado aos mais importantes festivais de cinema do mundo.


Quando entrei na sala para ver “A Arte do Pensamento Negativo”, no Frei Caneca Arteplex, a projeção já tinha começado. A sala estava quase lotada, e sentei na cadeira ao lado da profissional que controla as legendas eletrônicas, que são projetadas numa tela menor abaixo do telão e controladas “manualmente” por meio de um laptop.


Entre eu e a legendadora havia uma cadeira vazia, que ela utilizava para apoiar sua bolsa e seu equipamento, algo mais do que natural, uma vez que o mínimo que um profissional precisa é de um pouco de espaço para trabalhar e apoiar seu equipamento.


A sala foi ficando apinhada de gente, pessoas não paravam de chegar e começaram a sentar no chão. Eis que uma bela dondoca, achando-se superior aos demais que, por chegarem atrasados, não viram problema algum em sentar-se no chão, simplesmente jogou a bolsa da legendadora no chão e sentou-se na cadeira que havia entre nós, e pior, puxou acidentalmente (provavelmente com a perna) o cabo do notebook e com isso as legendas pararam de ser transmitidas e, quando voltaram, passaram a apresentar atraso de alguns segundos em relação ao filme.


Vendo o desespero da moça, desci e chamei um técnico para auxiliá-la, e o problema acabou sendo solucionado. No entanto, ao acabar a sessão, ao invés de desculpar-se com a profissional pelo problema que causou não só a ela, mas a todos os espectadores, simplesmente começou a bater boca com a profissional, sentindo-se ofendida pelo tom com que ela chamou-lhe atenção. E ainda ameaçou fazer reclamação à organização do evento contra ela.


Fiquei chocado e revoltado com a situação. Infelizmente são várias as pessoas que têm comportamento desse tipo. Lamentável.


Luz nas Trevas **

O filme é uma espécie de seqüência do clássico “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, renomado cineasta, representante máximo do cinema marginal dos anos 60. Rogério concluiu o roteiro, mas não chegou a executá-lo, pois faleceu em 2004. Helena Ignez, sua esposa, dirigiu o filme, que conta ainda com participação da filha do casal, Djin Sganzerla.

Helena Ignez foi também casada com Glauber Rocha e participou de vários filmes do diretor. Conheceu Rogério Sganzerla quando filmou “O Bandido”, no papel de Janete Jane, namorada do criminoso. Casou-se então com o diretor e passou a ser sua musa, atuando em quase todos os seus filmes, tornando-se personalidade essencial para o Cinema Marginal e criando um novo estilo de interpretação feminina, que foi seguido por diversas atrizes.


“Luz nas Trevas” traça um paralelo entre a vida do Bandido da Luz Vermelha e de seu filho. O Bandido, agora velho, encontra-se num presídio de segurança máxima cumprindo pena por diversos de crimes, vários destes que ele não cometeu, mas que alimentam sua fama e lhe garantem privilégios na cadeia. O filho só conhece o pai pelo noticiário policial, o que contribui para que o veja como ídolo, até seguir seus passos sob o nome de Tudo-ou-Nada.


Não se pode ignorar a importância do filme pelo que ele representa como fruto de um dos momentos mais significativos da história do cinema nacional. Além disso, fica claro o esforço de todas as pessoas envolvidas, que têm uma relação afetiva e pessoal com a história.


Mas é inevitável que ao assisti-lo se reflita em como teria sido o filme se tivesse sido executado pelo seu idealizador. É difícil deixar de vê-lo como uma apenas uma tentativa de materializar o que as pessoas imaginam que o seu criador gostaria de ter realizado. E o resultado é correto, mas inautêntico.


Aliás, a própria autoria do filme é motivo de disputa judicial. O outro diretor Ícaro Martins pede na Justiça a inclusão do nome de sua produtora nos créditos e a retirada do nome de Helena Ignez como idealizadora e diretora-geral da produção. O filme foi exibido na Mostra graças a uma liminar concedida pela Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


A Arte do Pensamento Negativo *
Comédia norueguesa sobre um grupo de pensamento positivo, espécie de Alcóolicos Anônimos para cadeirantes e pessoas com necessidades especiais. O personagem principal, Geirr, foi vítima de um trágico acidente que o deixou paralisado em uma cadeira de rodas e, ao mesmo tempo, o transformou em um sujeito angustiado, depressivo, agressivo e alcoólatra.


Ao participar de uma sessão com o grupo de auto-ajuda, ao invés de ser influenciar positivamente pelas idéias otimistas do grupo, é ele quem acaba afetando o grupo com suas idéias pessimista.


Creio que a enorme quantidade de pessoas que foi assistir à sessão deve-se principalmente à curiosidade em relação ao título do filme (o que também aconteceu comigo).


Mas sob o pretexto de questionar e ridicularizar o modismo da auto-ajuda, o filme utiliza-se da desgraça dos personagens para criar situações de humor negro, culminando em uma sequência interminável de agressões mútuas (tanto verbais como físicas) e de exposição das fraquezas humanas.


Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas -
Até agora não consegui entender a razão do sucesso que este filme fez. Ele ganhou o principal prêmio em Cannes este ano (a Palma de Ouro) e recebeu diversos elogios entusiasmados de parte da crítica.


A história consiste basicamente em um homem que sofre de doença renal terminal e decide passar seus últimos dias na floresta, cercado de pessoas que o amam. É aí que surge o espírito de sua falecida mulher e seu filho, há tempos desaparecido, sob a forma de um macaco com olhos vermelhos reluzentes.


Cheio de planos longos, estáticos, monótonos, silenciosos, com personagens movimentando-se de forma vagarosa pelos espaços, ao som de passarinhos e da natureza selvagem, o filme parece mais um esforço desmedido em parecer cult, artístico e merecedor de prêmios internacionais.


Tentando ser poético, acaba soando patético. Exemplo disso é o momento em que o filho-macaco senta-se à mesa da família. A platéia contida, pois, afinal, está diante de um filme-arte vencedor de prêmios internacionais, não se contém e cai na gargalhada. Outro momento risível é o da cena que mostra uma fábula em que um bagre faz sexo com uma princesa. Está mais para comédia do que pra filme de arte.


Carlos
****
Foram tantos os elogios que li sobre “Carlos” que não consegui fugir dessa superprodução francesa dirigida por Olivier Assayas (que esteve em cartaz no Brasil recentemente com “Horas de Verão”). O filme assusta devido à sua longa duração (inacreditáveis 330 minutos, ou seja, 5 horas e meia de projeção).

Mas já cansado depois de uma semana de maratona, sem paciência com a lotação das salas de cinema de fim de semana, pedi “arrego” e reconheci minha incapacidade de permanecer 5h30 ininterruptas em sala de cinema. Decidi então fazer algo diferente, peguei meu ingresso e fui assistir ao filme no conforto do meu sofá ao mesmo tempo em que o mesmo era exibido no cinema. E valeu a pena cada minuto.

O filme acompanha duas décadas de trajetória de Illich Ramíres Sanches, conhecido como Carlos o Chacal, um dos terroristas mais procurados do mundo, que se tornou influente a ponto de afetar as relações internacionais de vários países, ganhando fama de superstar, até seu declínio após o fim da Guerra Fria.

Na verdade trata-se de uma minissérie que foi exibida na TV francesa dividida em três partes, que a Mostra exibiu, acertadamente,

Rodado em 11 países e contando com 250 atores e mais de três mil figurantes, “Carlos” é entretenimento de altíssima qualidade, com roteiro bem amarrado e edição dinâmica, que permitem que o espectador fique vidrado nas mais de cinco horas de exibição. A atuação do protagonista, Édgar Ramirez, é de fazer o queixo cair, não só pela naturalidade com que fala diversos idiomas (ele atua em espanhol, francês, inglês e árabe), e pelas transformações físicas que sofreu no decorrer da trama (ele é forte e musculoso no início do filme e barrigudo e desleixado no final), mas principalmente por encarnar o personagem de forma visceral e autêntica.

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