sábado, 30 de outubro de 2010

Mostra 2010 - Dia 29/10

Hoje foi um dia bem heterogêneo. Vi um filme mais ou menos, um insuportável (!!!) e três filmes imperdíveis (!!! de novo).


Uma Vida, Talvez Duas *

Filme italiano que trata da história de dois amigos que, a caminho do hospital, batem acidentalmente num carro de dois policiais à paisana, que dão uma surra nos rapazes como represália. O filme vai e volta no tempo e sugere diferentes possibilidade para o desenrolar dos fatos, dependendo das escolhas que os personagens tomem, sendo a principal delas a decisão do protagonista em tornar-se policial e, assim, “passar para outro lado”, já que ele é estudante e participa de movimentos estudantis, sendo constantemente reprimido pela polícia. O filme não chega a ser ruim, tem até alguns bons momentos, mas acho que consiste em uma boa idéia que poderia ter sido mais bem explorada.

A Casa de Palha
Filme produzido por Cingapura/Malásia/Nepal que, teoricamente, trataria de um conto dos Três Porquinhos ambientado no meio urbano de Cingapura. A sinopse dizia que a história tratava de três amigos que moravam juntos e um dia, num jogo mágico, trocam de identidade entre si. Parecia interessante, mas o filme não é nada disso, é uma bela de uma porcaria. Confuso, mal executado, com péssimos atores, longo e cansativo. Parece mais um filme feito numa câmera amadora de um estudante universitário que resolveu filmar o cotidiano na sua república. Não me conformo que perdi mais de 2h assistindo a essa porcaria. Devida ter saído depois de 15 minutos.

Outubro ****
Para meu alívio depois de dois filmes ruins, assisti a essa co-produção maravilhosa entre Espanha, Venezuela e Peru, que ganhou o Prêmio do Júri (Um Certain Regard) no Festival de Cannes. Aliás, os filmes latinos estão em alta este ano.

Acompanha a rotina entediante de um penhorista que vive sozinho. Durante o dia ele atende os clientes um atrás do outro na mesa de sua sala e à noite freqüenta uma casa de prostituição. Até que algo inusitado acontece para quebrar sua rotina: uma prostituta deixa na porta de sua casa um bebê (que supostamente seria filho dele) e desaparece.

A chegada da criança muda completamente a rotina de Clemente, não só pelos novos sentimentos que despertam nele, mas pela relação que é obrigado a ter com outras novas pessoas que surgem em conseqüência da chegada do bebê, como a vizinha Sofia, uma beata que se oferece para ser babá da criança e passa a morar na casa.

O filme tem poucos diálogos, mas muitas cenas repletas de significados, como quando Clemente deixa o quarto de uma prostituta que costumava lhe atender e tenta forçar a porta para sair, como sempre fez. A porta foi consertada, não precisava mais fazer força para abri-la, mas ele está tão acostumado a abri-la daquele jeito que se incomoda em não ter mais que fazer esforço para abri-la. E a prostituta responde algo como “as coisas mudam”.

Esse filme me lembrou um pouco o uruguaio “Whisky”, também ótimo filme sobre um personagem que vive uma rotina entediante até que um fato o obriga a lidar com o inesperado.

Copacabana ****

Meu ingresso era para assistir a “Homens e Deuses”, filme que levou o Grande Prêmio (Grand Prix) em Cannes este ano, e é o candidato francês à indicação do Oscar de Filme Estrangeiro do próximo ano. Mas a cópia ficou presa na Alfândega (como ocorreu com vários outros títulos este ano) e não chegou a tempo. Em substituição exibiram outro francês, Copacabana, que no meu roteiro estava programado para domingo. Grata surpresa. Este pra mim foi um dos três melhores filmes desta Mostra.

A protagonista é Babou, personagem divertidíssima interpretada por Isabelle Hupert. Isabelle tem quase 60 anos e atua desde o início dos anos 60 no teatro e desde os anos 70 no cinema, tendo no currículo cerca de 100 filmes. É considerada a maior atriz do cinema francês de sua geração, uma espécie de Fernanda Montenegro da França, sendo insuperável em papéis dramáticos. Seu papel mais marcante internacionalmente foi a protagonista de “A Professora de Piano”, drama pesadíssimo do alemão Michael Haneke sobre uma mulher dominada pela mãe e com tendências sadomasoquistas, que lhe rendeu a Palma de Ouro de melhor atriz em Cannes em 2001 (tanto pra ela como para o ator que interpreta seu aluno).

Em Copacabana ela novamente rouba a cena, mas, surpreendentemente, numa comédia. O filme não seria tão leve e divertido não fosse a interpretação vigorosa da atriz, que se transforma nesse papel. Ela interpreta uma malucona que não liga para nada, não consegue manter-se num emprego e não tem o mínimo de responsabilidade com nada. Ela contrasta com a filha, trabalhadora, certinha e preste a casar-se com um burguês. A relação das duas é obviamente difícil, a ponto de a filha ter vergonha de convidar a própria mãe para o casamento.

Aproveitando-se do sonho que Babou tem de viajar para o Brasil (ela ama ouvir música brasileira e admira as imagens do Rio na vitrine da agência de viagens), ela decide mentir para os convidados, dizendo que a mãe está no Brasil, e por isso não poderá ir ao casamento. Coincidentemente, Babou tem que viajar para uma pequena cidade litorânea da Bélgica, pois consegue um emprego vendendo apartamentos de veraneio. Inesperadamente, ela obtém grande sucesso no ramo de vendas, o que no fundo é apenas uma tentativa de reconquistar a admiração que a filha não nutre mais por ela.

Curiosidade: a atriz Lolita Chammah, que interpreta a filha, Esméralda, é filha de Isabelle Hupert na vida real e já atuou ao lado da mãe em vários filmes.

Elvis e Madona ***

Comédia divertidíssima sobre um travesti chamado Madona (com um “n”) que se apaixona por uma entregadora de pizza/fotógrafa lésbica chamada Elvis (abreviação de Elvira). Esse filme me fez lembrar um pouco um dos primeiros filmes da Madonna, “Procura-se Susan Desesperadamente”, por ser uma comédia leve, quase “Sessão da Tarde”, com uma trama envolvendo um bandido ameaçador que persegue a mocinha, no final é pego e todos vivem felizes para sempre. Há vários filmes assim, aliás, só que neste caso a mocinha é travesti e o mocinho é uma lésbica.

Como resume uma das falas do filme, trata-se de um homem em corpo de mulher, que se apaixona por uma mulher com jeito de homem e que gosta de mulher. Apesar disso, ela acaba se apaixonando por um homem, que ainda por cima gosta de homem, mas se apaixona por ela. Essa confusão de gêneros dá ensejo a vários momentos engraçadíssimos, como na seqüência em que ela leva o rapaz para apresentá-lo aos pais num almoço em família, e a mãe, ultra conservadora (em ótima participação de Maitê Proença) fica chocada com o jeito do namorado da filha. A avô moderna, em oposição à mãe, aceita as escolhas da neta com mais naturalidade, o que também provoca vários momentos de risadas da platéia.

Aliás, a escolha do elenco como um todo foi acertadíssima. Igor Cotrim (Madona), e Simone Spoladore (Elvis) têm uma química muito boa e conseguem conferir autenticidade a seus personagens.

Alguns comparam o estilo de Marcelo Lafitte ao de Pedro Almodóvar, o que eu pessoalmente acho exagero. Mas sem dúvida o diretor acerta a mão nesse filme e seu maior acerto talvez seja que consegue aproximar do público “mainstream” personagens tipicamente “underground”, que costumam ser retratados em dramas e filmes pesados. Em “Elvis e Madona” eles são humanizados. Afinal, trata-se de um romance entre um homem e uma mulher. Por esse prisma, realmente se assemelha a Almodóvar.

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