terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mostra 2010 - Dia 01/11

Hoje foi o dia que minha programação ficou mais bagunçada. Dois filmes que iria assistir foram cancelados por problemas alfandegários. E eram dos que eu mais criei expectativa para assistir, “Gainsbourg – Vida Heróica” e “Submarino”, de Thomas Vinterberg (dinamarquês que dirigiu o polêmico e aclamado “Festa de Família”). Tive que alterar meu roteiro em cima da hora (coisa que eu odeio pois sou metódico ao extremo). Mas no final deu tudo certo. Foi um dia de bons filmes. Além do mais os dois filmes certamente entrarão em cartaz em breve.

Sem Pé Nem Cabeça *

Depois de assistir ao ótimo “Copacabana”, fiquei curiosíssimo pra ver este filme francês também estrelado por Isabelle Huppert. Fiquei um pouco decepcionado. Não pela atuação da atriz, que está bem como de costume, mas pelo filme em si, um pouco arrastado, e cuja história poderia ter rendido uma fita bem melhor.


A história é até bem interessante. Alice (Isabelle Huppert) é uma prostituta de mais de 40 anos que procura um psicólogo para tentar ajudá-la a deixar aquela vida degradante. Ela é altamente sofisticada, permitindo que o cliente escolha a personagem que deseja que ela incorpore, o que inclui até o tema e o linguajar das conversas que terão durante o programa.


Xavier é um psicólogo que, após uma crise conjugal e por indicação de um amigo, procura Alice para tentar esquecer o sofrimento da separação, mas acaba encontrando em Alice um espelho da mulher que o deixou.


As melhores cenas são aquelas em que a prostituta incorpora seus personagens, como uma adolescente, uma dona de casa dos anos 50, uma dominatrix ... o que rende alguns momentos mais leves e divertidos do filme, que na maior parte do tempo é pesado e dramático. O filme acaba não funcionando muito bem nem como drama, nem como comédia.


Querido Muro de Berlim ***

A história se passa pouco antes da queda do muro de Berlim, em 1989, e retrata o romance entre uma estudante que vive no lado Ocidental e um guarda de fronteira, sargento do exército da Alemanha Oriental.


Os dois marcam encontros sempre às escondidas, no lado oriental, até que o romance é descoberto pelo serviço secreto (chamado Stasi), que ao invés de punir o policial, utiliza-o para investigar o inimigo.


O filme pode até conter alguns clichês do cinema americano, mas acaba sendo uma comédia romântica deliciosa, com pitadas de suspense de espionagem, cujo defecho (típico happy end hollywoodiano, mas e daí) tem como pano de fundo uma reconstituição emocionante da queda do muro de Berlim.


Minha Felicidade -

No lugar de “Gainsbourg – Vida Heróica”, foi transmitido este “Minha Felicidade”, filme falado em russo, co-produção entre Alemanha, Holanda e Ucrânia, espécie de road movie em que um caminhoneiro cruza seu caminho com figuras heterogêneas que lhe transmitem suas experiências de vida, como um veterano de guerra e uma prostituta adolescente.


O filme parece uma tentativa de expor um olhar profundo sobre a verdade e crueza da natureza humana. O protagonista ruma para um destino incerto, vai adentrando em lugares inóspitos e se depara com diversos exemplos de sordidez humana.


Apesar de algumas cenas pesadas, como aquela em que dois policiais passam a noite na casa de um homem que vive sozinho com seu filho pequeno e o matam ao amanhecer, deixando a criança sozinha sem qualquer piedade, o filme é insuportavelmente chato e monótono, de forma que, depois de mais de uma hora testando a minha paciência, abandonei a sala.


A Velha dos Fundos ****

Para me recuperar do insuportável “Minha Felicidade”, tive a sorte de assistir a esta preciosidade do cinema argentino. É impressionante como a Argentina consegue fazer filmes tão grandiosos com tamanha simplicidade. Retratam situações corriqueiras do nosso dia-a-dia de forma poética e ao mesmo tempo realista.


Rosa, interpretada por Adriana Aizemberg (atuou em “Mundo Grua” e “Abraço Partido”) é uma senhora de idade que vive sozinha e carente de atenção, no apartamento dos fundos. Marcelo, interpretado pelo ótimo Martin Piroyansky (“XXY”) é um estudante de medicina com dificuldades financeiras que também vive sozinho e sem amigos, no apartamento da frente.


Nas poucas vezes que se cruzam, mal se cumprimentam. O rapaz chega a olhar no “olho mágico”, para garantir que o corredor estará vazio quando ele saia. Até que um dia pegam o elevador juntos e o mesmo quebra, obrigando-os a interagir pela primeira vez.


Identifiquei-me sobremaneira com este filme, não só pela coincidência do nome do protagonista com o meu, obviamente, mas porque retrata brilhantemente o isolamento que a cidade grande nos inflige, apesar de rodeados por uma população gigantesca. Confesso diversas vezes me peguei em atitudes parecidas com a do olho mágico, que mencionei.


Minhas Mães e Meu Pai ***
Julianne Moore (Jules) e Annette Bening (Nic) interpretam um casal de lésbicas que vive com seu casal de filhos adolescentes, frutos de inseminação artificial proveniente de um mesmo doador. A rotina harmoniosa da família é quebrada quando os filhos resolvem ir conhecer o pai biológico, Paul, um bon vivant quarentão que é dono de um restaurante natural e dirige uma motocicleta, interpretado por Mark Ruffalo .


Da mesma forma que o brasileiro “Elvis e Madona”, o filme tem o mérito de retratar o cotidiano de personagens homossexuais de forma simpática e natural, obtendo êxito em aproximá-los do grande público. Peca, no entanto, em utilizar-se de algumas premissas equivocadas para chegar a este resultado.


O primeiro exemplo disso é o forçado caso extra-conjugal que a personagem Jules acaba desenvolvendo com Paul, reafirmando a tese machista e equivocada de que muitas mulheres tornando-se lésbicas por não terem encontrado um homem que correspondesse a suas necessidades. Como se, sem o falo masculino, a mulher nunca se sentisse completa.


Outro equívoco, comumente presente no cinema americano, é o de a traição é sempre fruto de crises conjugais. As pessoas não traem porque o relacionamento está em crise e sim por diversos outros motivos, como a incapacidade de se contentar com a monogamia.


Apesar disso, “Minhas Mães e Meu Pai” é um filme leve, despretensioso e atual, e conta ótimas atuações, com destaque para Annette Bening cuja naturalidade impressiona. Até mesma a atriz que faz a filha, aqui é muito mais convincente do que quando interpretou Alice, no filme de Tim Burton.


Acima de tudo, o filme representa um enorme avanço uma vez que, até pouco tempo, estes tipos de personagens somente eram retratados em comédias caricatas ou em dramas sobre a dificuldade em aceitação da orientação sexual. Neste filme, a homossexualidade é tratada apenas como uma das características dos personagens (embora a família composta por duas mães seja o mote principal e o maior charme do filme). A questão central, na verdade, é a insegurança dos pais e sua constante dúvida se deram suficiente educação e amor aos filhos.

Nenhum comentário: