terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mostra 2010 - Dia 25/10

Meu segundo dia de Mostra já foi melhor que o primeiro. Mas como sempre deixo pra fazer as coisas na última hora, foi muita correria. Quase não tive tempo pra comer. Na hora de fazer a programação sempre esqueço desses pequenos detalhes. Não dá pra programar um filme muito colado no outro. O ideal é deixar pelo menos uns 40 minutos a uma hora pra dar tempo de tomar um café, comer alguma coisa, espairecer, esticar as pernas, descansar a coluna e o "quadril". Engraçado que às vezes penso que ficar sentado o dia todo vendo filme pode ser mais cansativo do que correr uma maratona. Também requer um bom preparo físico.

Lost Paradise in Tokyo ***

Após a morte do pai, Mikio se vê obrigado a cuidar sozinho do irmão Saneo, que tem problemas mentais. Além da revolta de ter perdido o pai, o rapaz se revolta com o fato de que dali pra frente terá que abdicar de metade de seu tempo, para o resto de sua vida, para cuidar do irmão incapaz. Como forma de protegê-lo, ele mantém o irmão preso dentro do apartamento e paga prostitutas para visitá-lo, sendo que uma delas se compadece do rapaz e passa a cuidar dele por caridade. Ela se entrega tanto àquela situação que se oferece para dividir com Mikio a responsabilidade de cuidar de Saneo. Marin, a prostituta, não tem lar, ela dorme nos hotéis e apartamentos dos clientes ou onde quer que seja acolhida. Daí percebe-se que o ato dela não é totalmente altruísta.


Mas, afinal, será que existe ato 100% altruísta? Qualquer ato de caridade carrega intrinsecamente uma necessidade de auto-afirmação, de sentir-se útil, ou visto como uma pessoa de bom coração, ou mesmo pelo interesse em ter sua consciência tranquila por estar fazendo o bem. Além de se prostituir, Marin liga seu rádio nas calçadas e canta músicas carregadas de frases de auto-piedade, demonstrando um desespero para ser amada. Esse filme me lembrou um pouco “Voluntária Sexual”, que passou na Mostra no ano passado, mas nesse aqui me pareceu mais explícita a forma de fazer o bem para preencher o vazio interior. Com o tempo Mikio também passa a afeiçoar-se a Marin, o que torna a relação entre os três ainda mais complexa.

Os filmes orientais geralmente são carregados de simbolismo, e por isso eu gosto tanto deles, e esse tem várias, como a tartaruga de estimação. Saneo a mantém amarrada a uma corda como forma de infligir ao animal o mesmo tratamento que lhe é dispensado pelo irmão, cerceando-lhe totalmente a liberdade. Mas, no fundo, a culpa pelo aprisionamento é da própria doença do rapaz, que o impede de ser um indivíduo livre para fazer o que bem entender, tendo que depender eternamente da boa vontade dos outros.


Revolução da Luz Vermelha **
Pra contradizer totalmente o que escrevi sobre filmes orientais quando tratei de “Lost Paradise in Tokyo”, assisti logo em seguida a este filme chinês sobre um looser que leva um pé na bunda, é demitido, e se vê obrigado a voltar a morar com os pais. O filme é bem comédia pastelão e não tem nada de simbolismo.
Não que isso seja um defeito, é apenas o gênero do filme. E como entretenimento descompromissado funciona.


Shunzi, o protagonista, recebe de um mafioso uma proposta para abrir uma sex shop. A loja provoca num primeiro momento provoca reações de protesto mas depois passa a ganhar a simpatia dos moradores quando percebem os efeitos positivos na vida sexual das pessoas. Só que a loja não tem licença pra funcionar e toda vez que o fiscal se aproxima para inspecionar o comércio local os moradores se engajam para retardar a sua chegada, o que rende alguns dos momentos mais engraçados do filme. É um filme que diverte sem compromisso, mas que é carregado de clichês.


Cópia Fiel ****
Confesso que tenho um certo preconceito em relação aos filmes do diretor iraniano Abbas Kiarostami. Seu filme mais famoso é “Gosto de Cereja”, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1997. Quando ouço o seu nome me vem à cabeça aquele conceito clássico sobre filme iraniano: silêncios intermináveis, papo cabeça, espectadores metidos a cult que não entenderam nada do filme mas saem do cinema fazendo pose de que acabaram de ver uma obra prima. Mas esse filme não tem nada disso.


O filme basicamente retrata um casal discutindo a relação enquanto caminha por ruas da Toscana, o que me fez lembrar muito “Antes do Pôr do Sol”, filme maravilhoso que pauta basicamente na discussão de um casal caminhando pelas ruas de Paris. Mas “Cópia Fiel” é bem mais complexo do que isso, a começar pela discussão proposta no livro lançado pelo protagonista e que é tema de debate entre o casal, sobre a diferença entre um original e sua cópia. O que tem mais valor, a obra propriamente dita ou a percepção que temos dela? A originalidade da obra ou a emoção que ela causa?


Mais impressionante ainda é a estrutura narrativa do filme. Na primeira parte, temos um renomado escritor conversando com uma leitora, dona de galeria de arte. Os dois não parecem ter a menor intimidade, pelo contrário, demonstram em vários momentos agir com cerimônia. Em dado momento, quando entram num café, a atendente acha que são marido e mulher, e a partir daí até o fim do filme, os dois agem como se fossem mesmo casados e passam a discutir ferrenhamente.


É impressionante também a atuação de Juliette Binoche. Não à toa ela ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes por esse papel. Outro detalhe impressionante é a alternância entre os idiomas. Ela conversa com o “suposto” marido em inglês, se vira para a atendente do café para falar em italiano, atende o filho ao telefone em francês, e faz tudo isso de uma forma tão natural que se você ficar preso às legendas você sequer percebe. O jogo de idiomas também serve para iludir e brincar com o expectador, já que até a cena do café o autor do livro só sabia falar inglês e a partir do momento em que o casal passa a agir como casal, percebe-se que na verdade ele também fala muito bem francês. É por esses e diversos outros aspectos que essa obra-prima merece ser vista e revista diversas vezes.


A Árvore **
A sessão estava lotada. A diretora, Julie Bertucelli, acompanhada dos filhos pequenos, fez breve apresentação antes do filme começar. Adoro a atriz Charlotte Gainsbourg. Aliás, a vida de seu pai, Serge Gainsbourg, e a relação com sua mãe, Jane Birkin, é retratada no filme Gainsbourg – Vida Heróica, um dos títulos que mais estou ansioso para assistir nessa Mostra. Os dois gravaram uma das músicas de amor mais famosas e polêmicas da história (“Je T’Aime, Mois Non Plus”). A filha, Charlotte, é uma das mais talentosas atrizes da atualidade. Recentemente protagonizou o polêmico e chocante “Anticristo”, que lhe rendeu a Palma de Ouro em Cannes no ano passado.


Mas esse papel em “A Árvore” parece apenas uma repetição mais branda da personagem que ela interpretou no filme de Lars Von Trier (ela também interpreta uma mulher sofrida no filme "21 Gramas"). Naquele filme ela entrava em depressão profunda e paranóia devido à morte do filho e ao sentimento de culpa por ter sido negligente. Aqui ela chora pela morte do marido que a deixa com quatro filhos pra criar. É a mesma cara depressiva, de mal com a vida, chorosa, que se vê no outro filme. Mas nem por isso o filme é ruim. Sem o talento da protagonista poderia facilmente ter virado um fiasco.


Após a morte do marido, Dawn e a filha Simone passam a acreditar que a imensa árvore localizada ao lado da casa carrega o espírito do marido, e as duas passam a ligar-se emocionalmente à planta. Contudo, a árvore é muito velha e suas raízes começam a invadir a casa e afetar o encanamento, pondo em risco a vida da família. Pra resolver o problema, Dawn chama um encanador, George, com o qual acaba se envolvendo e inicia um novo relacionamento. O problema vai se agravando à medida que galhos da árvore começam a despencar sobre a casa, chegando a derrubar uma parede (justamente a parede do quarto de Dawn, o que desencadeia uma belíssima cena em que ela fecha a porta e dorme em sua cama abraçada ao enorme galho da árvore). Sendo assim, George, não vê outra solução para o problema a não ser derrubar a árvore. Assim, a nova figura masculina chega para a menina (e para toda a família) não apenas como um invasor que quer tomar o lugar do pai, mas também como alguém que quer extirpar o elemento que representa à memória do pai, a árvore.


Homem Mau Dorme Bem, O ****

Na verdade era pra eu ter assistido a “Turnê”, filme dirigido por um dos melhores atores franceses da atualidade, Mathieu Amalric (que protagonizou “O Escafandro e a Borboleta” e foi o vilão do último 007). Mas a sessão de “A Ávore” atrasou, choveu, eu tive que me deslocar do Cine Belas Artes até o Shopping Frei Caneca, e cheguei lá quase meia hora depois do filme começado, por isso desisti e entrei na sessão desse que foi meu primeiro filme nacional nessa Mostra (e primeira exibição desse filme).


A sala 6 do Frei Caneca já é pequena (120 lugares), e não tinha nem metade das cadeiras ocupadas. Sem contar que boa parte dos expectadores eram integrantes da equipe do filme, como de costume nos filmes nacionais. Foram apresentar o filme: diretor Geraldo Moraes, o preparador de elenco Sérgio Penna (responsável pela preparação de elenco da maioria dos filmes brasileiros que tenho assistido), uma das atrizes etc. Uma pena que a sala não estivesse cheia, porque esse filme me surpreendeu positivamente.


A princípio torci um pouco o nariz porque o filme, ou boa parte dele, se passa num posto de gasolina empoeirado de alguma cidade no interior do Mato Grosso. Um vendedor de DVD pirata, a dona do posto e sua funcionária, um borracheiro ... são personagens que aparentemente não têm nenhuma ligação, e com o desenrolar da história vão se entrelaçando. Paralelamente corre uma história de amor entre um palhaço de circo (que vira garimpeiro) e uma lavadeira ingênua que cuida do avô. O roteiro é dinâmico e tem um final surpreendente que interliga o passado e o presente dos personagens. O título “O Homem Mau Dorme Bem” é homenagem a um filme de 1960, do mestre japonês Akira Kurosawa.

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