domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uma Noite com Bruna Surfistinha

bruna-surfistinha-o-filme-poster Era outubro de 2009 e eu estava saindo de férias. O Rubens, naquela época, estava fazendo alguns trabalhos de figuração, e me falou que estavam precisando de muita gente pra uma cena de boate do filme “Doce Veneno do Escorpião”, protagonizado pela Deborah Secco, baseado no famoso livro da Bruna Surfistinha, e perguntou se eu não gostaria de participar também.

Como cinéfilo, sempre morri de vontade de acompanhar um set de filmagem. Fiquei super curioso, e pedi pra ele repassar uma foto minha pra produtora de figuração, que logo em seguida me aprovou (pensei: Ufa! Até que não sou feio! Mas será que o pré-requisito não é “quanto mais feio melhor”?) e me mandou as orientações: chegar às 15h no Love Story, levar opções de calças, camisetas, tênis etc.

Fiquei muito empolgado de ter sido selecionado e não via a hora de chegar na gravação. CDF como sou, levei uma mochila com as tais várias opções de roupa, conforme a produtora havia solicitado, apesar do Rubens ter falado que não precisava, que eles falavam aquilo de praxe, que só os ‘trouxas’ levavam.

Era domingo, 11 de outubro de 2009, véspera de feriado. Chegamos lá às 15h em ponto. Tinha um caminhão de equipamentos sendo descarregado, e meia dúzia de gatos pingados esperando pra entrar. Fomos recebidos pela produtora, super simpática, que já nos agradeceu ‘de coração’ por termos honrado o compromisso (pensei: Como assim? Será que alguém pede pra participar e na hora não aparece? Pelo visto isso acontece sempre.).

IMG_0484Subimos para um restaurante self service, anexo ao Love Story, onde já tinha bastante gente. Entramos numa fila pra confirmar o nome e entregar o documento de identidade. Fui observando as pessoas e me dei conta de que tinha muito mais gente feia que bonita. Afinal, cena de boate com 200 figurantes, não dá pra ser muito rigoroso na seleção. Acho que só recusaram gente com cara de indigente ou com deformidades físicas muito evidentes. Além disso, achei uma resenha que define bem a freqüência da casa: “tradicional casa do centro de São Paulo que mistura mauricinhos, boêmios, prostitutas e perdidos da noite ao som de música eletrônica”. E foi bem essa a imagem que tive: alguns com cara de mauricinhos, alguns com cara de ‘tiozinho’, algumas com cara de patricinhas e muuuuuitas com cara de prostituta. Sentamos em uma das mesas e a minha empolgação era grande. Não via a hora de descer pra ver os equipamentos, o backstage, o elenco ...

Lá pelas 16:30 tivemos que pegar mais uma fila, a do lanche da tarde. Um saquinho estilo lanche de avião foi distribuído com um suco de caixinha, uma maça e um biscoito. Quem quisesse podia repetir o “prato”. IMG_0483

Em seguida foram distribuídos os contratos de autorização de imagem e logo depois a produção começou a chamar em ordem alfabética pra  decidir o “look” de cada um. Obviamente levou uma eternidade até chegar a letra “M”. Peguei a fila do banheiro, desisti, conversei, andei, fui de novo na fila do banheiro, esperei, voltei pro meu lugar ... e ainda estava na letra “D”. Depois de horas meu nome foi chamado. Levei minha mochila com as tais várias opções de roupa e acabei ficando com a que estava no corpo, mais um paletó (pensei: “Bem que o Rubens avisou que não precisava!”).

Já eram umas 19h e dá-lhe espera. Selecionaram alguns pra descer e a gente só esperava. 20h, 21h, 22h, 23h ... e nada. É uma sensação tão engraçada ser escolhido dentre 200 pessoas! Você se sente como um produto em promoção na prateleira de um supermercado querendo ser comprado. A gente ficava torcendo pra ser chamado logo, com medo de ficar pro final, como na educação física da escola, que os times iam sendo formados e dava aquele pavor de ficar por último.

IMG_0486 E não ficamos. Quando descemos, mais da metade do povo ainda estava no restaurante. Ufa! Entramos no Love Story em um grupo de umas 15 pessoas, por uma espécie de saída de emergência que dava no segundo andar da boate. Pediram pra fazer silêncio total, desligar os celulares e esperar. Dali já dava pra ver o elenco (Deborah Secco liiinda, deslumbrante, com cabelão loiro e um decote quase até o umbigo) e uma dúzia de figurantes lá embaixo, gravando em uma espécie de área VIP anexa à pista. Ali me deu um frio na barriga e uma adrenalina! Até parece que eu fazia parte do elenco.

Mais uns 15 minutos e mandaram a gente descer pra pista. Distribuíram uns drinques coloridos de mentira e começaram a passar as orientações (pensei: “U-hu, consegui um drinque cenográfico! Que legal!”. Dali a 15 minutos eu não agüentava mais segurar aquela taça de plástico que molhava minha mão enquanto eu dançava).

O mais engraçado é que a gente tinha que dançar sem música. Sensação bizarra!! Tocava uma música super animada, falavam “animação pessoal da figuração!!”, e quando o diretor falava “ação” o som desligava e a gente tinha que continuar dançando como se a música não tivesse parado.

O mais engraçado era ver alguns figurantes se matando pra se destacar. Na minha “rodinha cenográfica” éramos dois casais. O outro casal era uma espécie de veteranos do mundo da figuração. Enquanto eu e minha namorada cenográfica ficávamos dançando naturalmente, os outros dois desciam até o chão, dançavam coladinhos, rodavam, sensualizavam, faziam das tripas coração pra chamar atenção.

No primeiro intervalo paramos pra conversar e o meu colega de cena contou que trabalhava como figurante havia 20 anos. Já participara de vários programas de TV, filmes, novelas ... e não perdia a esperança de um dia ser ‘descoberto’ por um grande diretor. Morri de dó. Nesse momento me dei conta de que nem todo mundo estava ali por diversão, boa parte dos figurantes estava ali por profissão mesmo. E ele ainda comentou: “já vi de tudo nesse meio”, como se precisasse demonstrar que estava inserido no meio artístico. E essa certa ‘ingenuidade’ ficou evidente quando ele comentou: “Vcs viram a Deborah Secco cheirando pó na cara dura, na frente de todo mundo!?!” (o pó a que ele se referia era cenográfico, a personagem começa a se viciar em cocaína naquele ponto da história).

Outra situação que me chamou atenção foi a imersão das atrizes. Quando o diretor falava “corta”, elas não “desciam” das personagens. Uma ficava chamando a outra de puta, vagabunda, trocando olhares penetrantes, fazendo caras e bocas. Em um outro momento, a Fabíula Nascimento (aaaaamo essa atriz!!!) se posicionou na barra de pole dance e mesmo quando a câmera não estava rodando, ela ficava rebolando, mandando beijo pros homens, completamente incorporada na personagem. Nessa hora eu percebi que aquele não ia ser um filme de mau gosto. IMG_0493

Lá pela 1h da madrugada interromperam as gravações pro jantar. Nós, o elenco e a produção subimos pro restaurante. Nesse momento senti na pele que a frase “beleza não põe a mesa” é uma mentira. Nós, do “grupo A” da figuração, jantamos primeiro, enquanto a outra metade dos figurantes (que ainda nem sequer tinha participado das gravações) ficou na calçada esperando (pensei comigo: “Oh dó”).

Sinceramente achei que não ia ter comida pra tanta gente. E pra minha surpresa, a comida era até muito boa. Todo mundo se servia à vontade, podia repetir, e comer com calma. E conforme íamos terminando, a produção pedia para esperarmos na calçada, pra dar espaço pros demais.

IMG_0495Esperamos na calçada até o “grupo B” terminar de jantar. Nessa hora pude observar vários curiosos querendo saber o que estava acontecendo na boate. Afinal, a casa deixou de funcionar aquele dia pra possibilitar a gravação do filme. E ainda apareceu um mala bêbado, que enxeu o saco da produção porque queria de qualquer maneira entrar na boate. Cara chaaaato!! Não ia embora nunca!!

Lá pelas 2h voltamos pra gravação. Eu tentei fugir da cerveja cenográfica mas não consegui. Uma garrafinha com água quente dentro e com algo que fazia parecer estar super gelada por fora. Largava a garrafinha em algum lugar e logo depois vinha alguém distribuindo mais garrafas. Não teve jeito. E toda hora me puxavam pro meio da pista (pra fazer “volume”), afinal, tenho 1m90.

Nessa cena o Rubens ganhou uma “prostituta” só dele. Ele andava de mãos dadas com uma puta figurante – quer dizer – uma figurante puta, e foi requisitado pra puxar o ‘trenzinho’ das garotas de programa na entrada da boate (a cena aparece em 1:02 do vídeo making of abaixo). Mas acabou não aparecendo no filme (e ele nem aparece no making of). Elas entravam na pista todas animadas e a gente tinha que manter a empolgação.

Nessa hora chamou muita atenção o desespero de alguns homens em aparecer. Eles corriam afoitos pra onde a câmera ia. Vi várias meninas reclamando do empurra-empurra, inclusive a acompanhante do Rubens, que levou cotoveladas e falou: “Nossa, nem as mulheres estão tão desesperadas assim pra aparecer. Que absurdo!”. Não sei se o desespero era pra aparecer no filme ou aparecer do lado da Deborah Secco (ou os dois). O diretor chegou a interromper as filmagens e pediu pro pessoal dar mais espaço pra câmera se movimentar.

Em seguida acredito que foram gravadas as cenas em plano aberto, porque finalmente mandaram descer os figurantes do “grupo B”, e todos gravaram juntos. Vimos a Deborah Secco e a Fabiula Nascimento sensualizando no pole dance e o DJ Thaíde na cabine falando pro pessoal se animar. 4h e pouco da manhã depois de tanta espera, era difícil demonstrar animação.

5h da madrugada. Voltamos pro restaurante e, em ordem alfabética, foram chamando um a um e devolvendo o R.G. com uma nota 50 reais presa por um clipe.

Resultado dessa maratona toda: Se ficar atento à cena do Love Story, sem piscar, dá pra me ver por uns 2 segundos no filme. No making of acima aparecemos eu e Rubens do minuto 1:16 ao 1:22 bem acima da Deborah. Mas, afinal, me objetivo não era aparecer, e sim passar pela experiência, que foi incrível!

OBS: O Rubens e a puta figurante dele aparecem no 1:13 do trailer (mas tem que dar ‘pause’ pra conseguir enxergar.

4 comentários:

Unknown disse...

MORRI DE RIR, DEVE TER SIDO UMA EXPERIÊNCIA E TANTO. BJS, MARI (RIO).

Marcos Sartori disse...

Muito bom Marcelo. Pela descrição dá pra imaginar que realmente deve ter sido uma situação interessante. Só resta saber se compensa né, afinal, 50 reais por 14h de trabalho é exploração.

Abraço

Anônimo disse...

Fiquei cansado só de ler a maratona. Pelo menos, valeu a pena a realização de um sonho, mas é para nunca mais, hein ? :) abraço,
Luiz

Anônimo disse...

Parabéns aos jovens figurantes, quero ver mais participacões desses ilustres amigos. Fiquei tenso na hora da escolha dos figurantes para o grupo A ou B, mas nosso Giane confirmou sua fama ficando no grupo A rs rs
abraco
Edu