domingo, 2 de dezembro de 2007

Veludo Azul (1986)

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Blue Velvet, EUA, 1986
Direção: David Lynch

Impressionante como uma orelha encontrada num jardim pode render uma história tão genial! As cores, as texturas, as músicas, tudo faz tanto sentido nesse filme. Nunca a estranheza da história e a bizarrice dos personagens fez tanto sentido em um filme de David Lynch. Tudo é estranho, o clima é cheio de mistério, o que às vezes me fez até lembrar dos filmes do Hitchcock, mas ao mesmo tempo um detalhe está tão bem amarrado no outro que o estranho aqui não é confuso, pelo contrário, o estranho, o bizarro, a loucura são o que nos faz entender o porquê das atitudes dos personagens e nos leva a refletir sobre a própria natureza da vida.

Os contrastes de sempre estão presentes: a loira doce, angelical mas um tanto ousada e a morena misteriosa, perigosa e violenta, ao mesmo tempo submissa, masoquista e frágil. As duas têm seu poder de sedução, cada uma à sua maneira. O mais interessante é que a loira a princípio se faz de difícil e acaba sem querer conduzindo o protagonista à morena, como se o entregasse aos braços da outra, e quando percebe que ele está envolvido se desespera e o quer para si.

No final do filme outra orelha aparece, mas agora uma orelha viva e saudável, em contraste à do início do filme, suja, morta e rodeada por insetos. Quando o policial entrega a orelha ao legista, descreve o tanto que uma orelha pode dizer sobre seu dono: o sexo, a idade, se foi retirada de um vivo ou de um morto ... e no desfecho do filme a orelha é a primeira coisa que aparece, antes da câmera mostrar a quem pertence, como se apresentasse todo o resto do corpo de quem ela pertence.

Os filmes de David Lynch, inclusive a série que inicialmente o consagrou (Twin Peaks) sempre tiveram esse clima de misterio e de bizarro, mas desde "A Estrada Perdida", o enredo passou a ter menos importância. A história não precisa fazer sentido. O que se busca é mergulhar a mente do espectador em um emaranhado de imagens, sensações, emoções, sem necessariamente conter explicações lógicas.

Acho que faz todo sentido um comentário do Cássio Starling Carlos, crítico da Folha de S.Paulo, sobre seu último filme, "Império dos Sonhos". Ele diz que o cinema de David Lynch é uma fuga do cinema convencional, que está sempre preso à literatura, à medida que tenta resgatar a própria essência do cinema que são as imagens pelas próprias imagens, alcançando o ápice daquilo que chamamos "audiovisual".

Eu sempre saio dos filmes dele com uma grande interrogação na cabeça, tentando traçar um sentido na história, mas geralmente esse sentido não existe, e no fim das contas é essa busca pelo sentido que me faz refletir sobre todas as sensações que acabei de experimentar, e acho que aí que está o grande prazer de assistir a esses filmes.

Veludo Azul é sem dúvida o melhor filme do David Lynch que assisti e talvez o melhor filme que assiti em 2007. Agora falta tomar coragem pra eu assistir a "Império dos Sonhos", que está em cartaz e tem 3 horas de duração.

Encontrei na internet um texto essencial para entender um pouco do universo do diretor, redigido por um jornalista que prepara uma tese para a UCLA, publicado na "Revista do Cinema": http://www2.uol.com.br/revistadecinema/fechado/dossie/edicao26/dossie_01.html

Duas críticas ótimas publicadas na Folha de S. Paulo sobre "O Império dos Sonhos":

Um comentário:

Anônimo disse...

eu amo esse filme....